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I hate everything, except some things

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Anotações de um fatídico dia de abril ou impressões individuais ficcionalmente modificadas

Chovia. Chovia e fazia sol. Ela estava na sala de aula ouvindo um falatório interminável sobre algum assunto que ela tinha certeza que não tinha nada a ver com a aula. Mas todos fazem isso no final das contas. Falar sobre qualquer outra coisa que se queira, menos aquilo que é necessário. Mas no fim nada é realmente necessário.
Ela continuava na sala. Ela tinha que continuar. Ouvindo todo o falatório que para ela não significava nada além da exposição de toda a desinteressância do mundo. Mas ela escrevia. E ouvia. Fazia tudo ao mesmo tempo. Pensava também. Pensava no que escrever. Pensava na chuva. Pensava em quanto absurdo ouvira, ouvia e estava ouvindo. Ouvia o trovão também. E ouvia palavras como "absoluto" e "livro do mundo" e "labirinto". E pensava novamente. Pensava em como essas palavras poderiam se encaixar naquilo que estava escrevendo. Ela parou e ouviu novamente. O mundo estava realmente e irremediavelmente perdido. Outro trovão. Donner em alemão. Ela havia aprendido hoje. Era a única coisa que valia a pena na sua vida ultimamente. As palavras são excessivas. Ouvira e lera isso uma vez e agora novamente.
O professor fala agora. Ela para de escrever e ouve. Não porque ele é o professor, mas porque seu falatório faz sentido, no sentido em que 'sentido' é aquilo que acreditamos entender daquilo que está sendo dito.
Continua chovendo.
Redes sem saídas. O professor fala de algo que significa muito mais, mas ele não sabe.
Melancolia. Não há nada que se possa dizer sobre isso.
Ela queria estar em outro lugar. Ela queria não estar.
Mas há palavras que devem ser retomadas para que seu texto faça sentido. Novamente o sentido. Estamos sempre em busca de um sentido. Ou de um livro. Ou de um jogo.
Mas voltemos às palavras: conceito.
Há mais palavras: crítica
E outras: arte
Romantismo. Isso certamente há.
Trovão novamente
Alemão. Novamente. E novamente novamente.
E agora há histórias de meias e magia. Tudo pensamento
A matéria só existe como forma.
Mas tudo isso, lembra ela, vai contra aquilo que seu pai ensinou.
Não se deve quebrar os brinquedos para descobrir como eles funcionam. Há que se brincar com eles. A menos que não se goste do brinquedo. Pois por mais que se monte novamente o brinquedo, tamanho conhecimento do brinquedo é punitivo. O brinquedo perde a graça, o sentido, o seu motivo de ser e existir. Matamos o brinquedo. E ficamos um pouco menos felizes e o mundo fica um pouco menos brilhante. Com um brinquedo a menos no mundo. Uma consciência a mais. Por isso o mundo não vale mais a pena. Não há mais brinquedos. Ninguém mais quer brincar. Todos querem desmontar e entender.
Não há verdade!
Só há o que você acredita.
Ela acredita em várias coisas. E acredita que acreditar é o caminho.
Caminho. Caminho. Caminho.
Não há caminho.
O que há, afinal?
O crítico.
Não, o crítico não é o escritor. Ele é a criança.
Não a que brinca. Não a que quebra. Mas é a criança para quem o principal brinquedo é feito, ou melhor, a verdadeira brincadeira.
Há o brinquedo. Há a criança que brinca. Há a criança que quebra. A criança que não quer brincar. A criança que desmonta e joga fora. A criança que desmonta e monta novamente. A criança que não brinca mais e a criança que continua brincando.
O crítico não é nenhuma dessas crianças. O crítico é a criança que fica olhando para o brinquedo e pensando o que o brinquedo está fazendo. Por que ele existe. Se ele é legal. Mas nada disso importa.
Importa brincar. Ou não.
Droga! Ela estava pensando em todo o falatório. Estavam tentando quebrar mais um brinquedo.
Que ninguém ouse quebrar um de seus brinquedos. Nem ela mesma.
Obviedades.
A chuva parou. Os trovões também.
O romance.
Ambiguidades.
Pensando...
Poesia. Não.
Sejamos claros em relação a isso. As palavras que nos perdoem.
Poesia é poesia. Poesia não é tudo.
Tudo tem seu valor. Por mais baixo que seja tal valor, ele ainda existe. Ele. Palavras novamente. Tudo são palavras.
Se tiramos as palavras, o que sobra?
Não conseguimos evitar as perguntas. Mas por que evitar qualquer coisa?
Não evitamos. Não evitemos nada.
Ela está cansada de escrever. A aula continua e continuará indeterminadamente.
Nesse exercício de interação há a ilusão de comprometimento. Tudo por causa das palavras.
Tudo é por causa das palavras.
Ela não odeia as pessoas. Odeia as palavras proferidas pelas pessoas. Poucas ações incomodam. As palavras incomodam muito mais que todos os elefantes.
Os elefantes são simpáticos. Os rinocerontes também. E os unicórnios e o cavalos e os ornitorrincos.
O ornitorrinco não está aqui por palavra que é, mas por sua ação de ser ornitorrinco. Todos eles.
A arte continua sendo feita. Ela está aqui?
Depende. Depende de tantas coisas.
Coisas e palavras.
Não.
Ela quer parar de escrever, mas não consegue. Não permitem.
Se inicia o falatório sem sentido novamente.
Inércia.
Lemos o que ela escreveu.
Brinquedo engraçado seria esse na mão de qualquer criança.
E por que há que haver estranhamento todo o tempo?
Todo esse começo está errado.
Não pode haver estranhamento. Este é o acordo desde o início.
Mas se isso é somente para ela (e esperamos que seja) não há estranhamento.
Ela não resistirá. Olhará o tempo.
Chocolate. Ela não gosta. Mas há.
Se é o que há, aceitemos. Mas não agora.
Mas jamais efetivamente se realizará. Nunca.
Sonho é uma palavra de dois significados. Deve haver mais. Mas dois importam mais agora.
Rostos, rostos, rostos...
E quando o sonho só tem valor enquanto sonho?
Sonho realizado é brinquedo quebrado. Vale o mesmo princípio? Para ela sim. Ou seria não?
Ela quebrou um sonho uma vez. Foi legal. Porque ela continua brincando com os brinquedos quebrados. Remontados ou não.
O brinquedo sempre tem graça depois.
Mas ela tem medo de quebrar alguns sonhos. E sabe que, ou imagina, que não conseguirá se divertir tanto com os sonhos quebrados. Mas às vezes quer tanto quebrar alguns sonhos. Já tentou. Não conseguiu. Sonhos são bem mais difíceis de quebrar.
Sonho é brinquedo danado.
Tragédia. Ótima palavra.
Ironia é desconhecida.
Precisaremos do Príncipe.
Há dois. Ou mais.
E mais de um reconhecimento.
Reconhecimento é maior que conhecimento.
Pra que destruir tudo? Pra que?
Deixem tudo em paz!
Palavras e coisas. Odeio as palavras. E a palavra palavra. Ela também.
Deixem as palavras para lá. Vamos nos comunicar por sorrisos e olhares.
Ela está adaptando tudo. Não apagando.
Ela consegue escrever.
O cara não.
Eis mais uma palavra: a narrativa. Eis o que não se quer. Não é? Temos que perguntar a ela.
Mas ela está realmente brava agora.
Não pode porque não tem sentido.
O sentido não importa! Escrevamos romances de cavalaria!
Eis o novo objetivo: o romance dos impossíveis.
Deixemos as reflexões enterradas com os filósofos, que são muito interessantes, ela pensa. Sejamos ingênuos.
Ingênuos também no romance. Onde quisermos.
Sentimento. Quem tem é ingênuo. Ou idiota.
A onda agora é não ter sentimento. Pra ser legal e também feliz.
Ela precisa comer.
E, sim, o enigma é claro para os olhos de quem não se esconde atrás de preconceitos e conhecimentos mínimos adquiridos.
Conhecimentos mínimos que aos olhos de quem se olha como melhor, assumem dois papéis que se desdobram: a cegueira e a enganação, que gera mais preconceitos e julgamentos.
É um ciclo. Um ciclo que uma vez iniciado não se rompe mais.
Ela tenta. Ela tem que parar de tentar. Avisemos a ela: Pare de tentar! Você não quebrará o ciclo jamais. Nem esse nem nenhum outro.
Mas pode continuar escrevendo, que o objetivo dessa escrita não é outro senão nenhum.
Ela escreve e pensa. Pensa que ao escrever não está escrevendo, mas sim servindo às palavras, maldosos seres, que usam as mentes e mãos indefesas.
Todo escritor é um coitado. Não tem escolha.
Ela não é escritora. Não quer ser crítica. Mas as palavras a usam. Ela é a vadia delas.
Não só a palavra escrita. A palavra como realização, seja ela qual for. Mas todos são vadias das palavras. Se submetem a ela todo o tempo.
Ela pensou que a próxima manifestação não mediada pelas palavras que presenciar será a mais percebida e amada.
É por isso que aquele olhar de ontem significou tanto.
É por isso que o futebol é tão perfeito. Não há palavras.
Mas ela está fazendo isso errado.
Se perdeu. Se entregou. Mas não se importa mais.
Nada importa.
É isso! Enumeremos as regras.
1. Nada importa.
2. Nenhum ciclo pode ser rompido.
Mas ela se lembra que algumas palavras podem ser boas. Ou alguma pessoas podem fazer uso das palavras de uma forma boa. Boa é julgamento. De uma forma aproveitável. Tudo é julgamento.
Mas aí está a diferença. Não são as palavras que usam. Elas são usadas. Elas merecem ser usadas. Elas merecem essa instrumentalização de que tanto reclamam.
E como reclamam, as palavras!
Ela quer parar, mas não consegue. E o falatório, com sentido e sem sentido, vai entrando em sua mente, seu pensamento, sua mão, sua caneta. E ela está escrevendo sobre o falatório e por causa do falatório. E o falatório são palavras. Palavras que usam e são usadas para dizerem sobre elas mesmas e suas reclamações.
Mais um ciclo. Regra número 2.
Outro trovão.
Vamos comer?
Ela vai parar agora, mas vocês não irão perceber porque quando ela continuar não haverá espaços e intervenções. Sem estranhamentos, que já há demais.
Ela parou.
Tudo sempre esteve por aí. Vocês é que não percebiam. Não divulguem sua ignorância para o mundo. Ou melhor, façam o que quiserem. O mundo é ignorante.
Na verdade, o que caracteriza o mundo?
Generalizações, que ela odeia, é isso. Tira o sentido (ele de novo!) das coisas e das palavras.
Ela odeia as palavras, mas odeia o que faz mal a elas. Não um mal físico. Um mal espiritual.
Mas vamos comer. Porque as palavras precisam de força para se reproduzirem.
Oh! As palavras fazem sexo na mente dela!
Ela descobriu.
Agora que... não. Não comecemos assim.
Ela comeu.
E ela voltou.
Falatório reiniciado. Mas é o início do fim.
Nenhuma dicotomia é interessante. Ou às vezes até é, mas todos foram condicionados a achar que tudo o que limita é ruim. Nem sempre. Nem todos os limites são ruins. Nem todos os limites são bons. Tudo é assim. Nem tudo é ruim. Nem tudo é bom.
Muitos pensamentos por aqui.
Ela continua, ou melhor, volta a escrever.
Supostamente escreve sobre o falatório. O falatório de palavras e sobre palavras. E também ideias. Mas ideias são feitas de palavras.
Ela continua escrevendo. Será que escreve sobre palavras? E fala sobre escrever?
Quando todo o falatório terminar, muitos outros se seguirão. Ela não quer mais falatório. Não quer mais falar nem ouvir.
Aparentemente Goethe está errado. Mas não julguemos. Ou já que tudo está permitido neste recinto de papel, libertemos os julgamentos, afinal não julgamos por julgar o julgamento algo ruim.
O professor fala sobre coisas que são e coisas palavreadas.
Ah, palavras, vocês não são. Por isso se revoltam contra os seres.
Somos importantes porque trabalhamos com as palavras. As palavras não conseguem, não podem conseguir, não devem ter tamanho poder.
Ela escreve e o professor fala a mesma coisa. De formas diferentes, talvez tópicos diferentes, mas a mesma coisa.
Ou seja, pode-se dizer a mesma coisa dizendo coisas diferentes. No fim, provavelmente, todos dizem a mesma coisa.
Mas o que dizem todos?
Palavras.
Mesmo quando estão disfarçadas.
Mas não! Não coloquemos as palavras em lugares em que elas não estão, pois já estão em muitos lugares.
Sim e não são a mesma coisa: a morte.
A morte é o resumo de tudo.
No fim era o que ela queria dizer o tempo todo?
Ela não diz.
Neutralidade da filosofia. Ela foge disso, mas que confusão!
A filosofia é mais literária que a literatura.
Arte, crítica, filosofia, literatura: todas palavras do falatório, que mesmo ignorado vai penetrando, como um veneno.
Mas ela ouve o que quer e escreve o que quer, embora as palavras observem de longe. Estão prestes a se rebelar contra ela.
Na verdade a rebelião já começou.
Mas ela não se importa. Regra número 1.
Quem não tem senso crítico defende o uso da não criticidade.
Repetir o que já disseram faz parte, afinal tudo já foi dito. E sempre dissemos as mesmas coisas.
Mas tem gente que não encontra o como dizer e então somente repete, repete, repete.
Pare de repetir!
Vá, vamos, palavras! Passem a perna nessas criaturas.
Que elas não repitam o meu modo de dizer aquilo que todos dizem.
Mas ainda não descobrimos o que dizemos.
Limite.
Novamente o limite. Experiência.
Ah, quantos nós! As palavras estão loucas com ela.
Ela enlouqueceu as palavras.
Nenhuma busca. Nenhum objetivo a não ser objetivo nenhum.
Mas objetivo nenhum ainda é um objetivo.
Como não haver objetivo nenhum? Verdadeiramente?
Liberdade.
Danem-se os objetivos. Danem-se todos!
Ela quer parar.
Ela sabe que isso não serve. Servir.
As palavras são terríveis!
Este falatório está terminando, mas outros falatórios virão.
Ela propõe e eu proponho também que esvaziemos todas as palavras de seus significados. Nos rebelemos contra as palavras.
Mas outro dia.
O falatório terminou. As risadas começaram.
Ela vai parar agora e continua depois.
Esvaziemos tudo agora.
Isso não é irônico. Eu não estou treinada.
Ela também não.
Haverá outras rebeliões.
E ela voltou.
Hoje escrever não é tão fácil. O falatório parece mais coerente, embora ainda seja falatório.
Ouvimos um pouco. Escrevemos depois.
Quanta consciência de existência. Isso incomoda.

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