Hoje não me sinto muito bem. O dia parece muito claro, muito quente e o capim sem gosto. As outras vacas me desprezam, não sei bem o motivo... você tem esse problema?
Sou mais gorda que a vaca que foi pra engorda e todos me vêem como um simples pedaço de carne, inclusive os bois. É muito ingratidão de minha parte não estar satisfeita com essa vida?
Eu te falei que no último feriado a Jasmine morreu? Pois é... somos criadas para isso e ainda é uma surpresa e uma tristeza. Marieta continua pregando seu ateísmo. Eu não me incomodo, veja bem, mas não custa ter um pouco de respeito; eu não fico fazendo graça com a crença dela. Na verdade, azar o dela. Deve ser triste não acreditar em nada. Eu sei que Jesus morreu pelos humanos, mas não acredito que não tenha nem um pedacinho Dele, ou de Deus, que se importe com a gente.
O Tutu é outro... não vem com papo de religião, mas acha que é o dono da verdade. E todo mundo que discorda dele é burro e sem noção; não passa pela cabeça dele que ter uma opinião diferente pode significar só isso: diferença. Ouço falar da hipocrisia dos humanos, mas não acho que seja diferente aqui. Ouvi uma história muito boa de como alguns porcos se rebelaram contra os donos e, em menos de alguns meses, eram eles próprios tudo o que combatiam. Bela história, ilustra bem tudo isso.
Os rapazes estão jogando aqui no campinho do lado do pasto. Acho tão engraçado esse jogo de correr atrás de uma bola e se despedaçarem no caminho. Deve ter algum prêmio pra quem pega a bola, mas toda vez que alguém chega perto, sem querer chuta a bola longe e começa tudo de novo.
O mundo que enxergo é um mundo muito estranho e, acho, um espelho de todo o resto, pois também conheço animais legais, que alegram minha vida... eles só se esquecem de mim, às vezes. Mas eu também o faria se não fosse eu; sendo eu, só tenho que me conformar.
E tudo que estou te falando me veio à mente só porque me sinto gorda. E feia. E indesejada. Desculpe tanto incômodo.
Mas e você, como anda? Me conte...